Buscar a eficiência operacional deveria ser um mantra em qualquer companhia – independentemente do cenário do mercado. Não há como construir negócios sustentáveis sem ela. É comum, porém, que as empresas voltem a atenção a essa necessidade apenas em momentos mais difíceis, tomando decisões que priorizem o agora e não o longo prazo. Os planos mais sólidos são os que ampliam a visão da companhia, levando-a do foco nos processos internos até a relação com os clientes – que, em cenários incertos, também demandam novas soluções. “É preciso atendê-los bem, com produtos e serviços adequados às suas necessidades. Para isso, deve-se disponibilizar uma estrutura que facilite sua vida”, diz Cláudio Soutto, sócio da área de Consultoria da Deloitte e especialista em Tecnologia. A tecnologia é uma grande aliada. “Ela ajuda a alcançar a eficiência operacional pela automatização de processos, geração e análise de informações em tempo real e agilidade no atendimento”, diz Soutto. Há, claro, cuidados a tomar, como não perder de vista a necessidade do cliente e não gerar mais complexidade ao buscar eficiência.
Uma nova mentalidade
O uso da tecnologia na busca pela eficiência operacional não é algo novo – mas tampouco é uma postura consolidada. “No Brasil, as companhias estão buscando conhecer melhor o tema e seguir tendências, principalmente as multinacionais, que avançam mais rapidamente em função das orientações da matriz”, diz Soutto.
Segundo ele, grande parte das empresas não compreende bem os benefícios e vantagens dessa disciplina nos negócios. “O investimento é ainda modesto, sobretudo em função do momento atual”, complementa. Redução nos recursos financeiros disponíveis, no entanto, não pode ser uma barreira – mas, sim, incentivo a uma postura mais criativa. “Diante da dificuldade em investir, é preciso identificar como realocar recursos e garantir liquidez”, argumenta.
A ação em duas frentes
O grande benefício da tecnologia como propulsora da eficiência operacional é que, por meio dela, é possível alcançar os dois objetivos de forma simultânea: maximizar o uso de recursos financeiros e aprimorar a oferta e o suporte ao cliente. Nesse ponto, alguns caminhos possíveis são:
Infraestrutura.
Continua sendo a base de toda estrutura tecnológica. Modelos alternativos como o cloud computing, por exemplo, podem trazer mais eficiência e adaptabilidade.
Sistemas.
Precisam ser mais rápidos de implementar, garantindo agilidade, e desenvolvidos de acordo com a necessidade do cliente. A aquisição de licenças em forma de serviços, usando a infraestrutura de cloud computing, tem sido uma boa alternativa para aumentar a agilidade de implementação.
Dados.
As informações obtidas têm de permitir uma análise preditiva, com correlações e simulações que levem a um posicionamento mais claro a respeito do perfil de consumo dos clientes, dados de mercado e investimentos a serem feitos.
Mobilidade.
Há dispositivos e aplicativos que monitoram, por sensores, produtos e serviços e seus percursos ao longo da cadeia. “Calcula-se hoje que já são 11 bilhões de sensores no mundo, uma enorme massa de dados. O grande diferencial está em acertar na hora de empregar tanta informação”, diz Soutto.
Para Leonardo Pereira, punições deveriam ser proporcionais ao tamanho das empresas; executivo defende aumento do teto para R$ 500 milhões
O que precisa mudar no Novo Mercado?
A regra para a saída deve ser discutida. Não pode ser fácil para uma empresa deixar o Novo Mercado. Algumas poucas têm pensado que não vale a pena continuar no segmento por conta de seus ciclos de performance. Pode-se até ter uma razão para sair, mas essa razão tem que ser muito discutida.
Para quando são os efeitos práticos das mudanças no Novo Mercado?
Haverá uma fase de discussão e nós esperamos que ela esteja bastante adiantada na segunda metade do ano que vem.
A presença das empresas X no segmento gerou questionamentos. Como evitar esses casos?
Mesmo com a melhor supervisão, sempre haverá problemas. O importante é que as penas desencorajem a má conduta.
Hoje isso não acontece?
As penas estão desatualizadas em relação ao tamanho das empresas. Em um projeto que tramita em Brasília, procuramos ampliar esse teto de R$ 500 mil para R$ 500 milhões.
A governança corporativa falhou no Brasil?
Em alguns casos, sim, por não ter sido implementada. Se há um manual que não é implementado, então esse manual não serve para nada.
Nas empresas, há resistência a mudanças?
Não vejo resistência. Essa é uma questão cultural, é preciso capilarizar as discussões e fazer com que as pessoas entendam melhor o que elas estão fazendo. Também é preciso que as empresas tenham controles internos mais fortes.
Então, o que é preciso?
Para começar, as regras devem ser interpretadas de forma simples e correta. O alto escalão das empresas também precisa se comprometer para que os conceitos se propaguem. O que nós estamos vivendo faz parte do processo de desenvolvimento da governança. Essa discussão, na nossa sociedade e em outras no mundo, é positiva e faz parte dessa evolução.
Isso é algo que falta no ambiente empresarial?
Eu não diria que falta, mas temos que nos conscientizar de forma diferente. Passamos por um processo de implementação dessas estruturas, mas ainda estamos muito formais. Temos que partir para a substância.
Acionistas têm hoje maior acesso a dados e mais mecanismos de proteção do que no passado
Apesar da percepção geral de que a governança corporativa no Brasil ainda não foi realmente incorporada pela maioria das companhias, houve avanços relevantes nessa seara. Um deles, considerado o mais expressivo por membros da academia e de instituições ligadas ao setor, foi o aumento da transparência das empresas, exemplificado com a maior divulgação de fatos relevantes, do formulário de referência e do tratamento dado aos conflitos de interesses entre acionistas.
“Se compararmos relatórios de uma empresa há 20 anos e atualmente, impressiona como eles ficaram mais transparentes”, exemplifica Sandra Guerra, presidente do Conselho de Administração do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC).
Para o sócio-fundador da Direzione Consultoria e professor da USP, Alexandre Di Miceli, o ativismo dos próprios acionistas forçou o empresariado a repensar as práticas de governança. “Eles ficaram mais exigentes e passaram a ter uma atuação mais ativa em relação às suas companhias”, analisa.
O surgimento do Novo Mercado também promoveu a busca por maior transparência perante os minoritários. Lançado pela BM&FBovespa em 2000, o segmento passou a reunir apenas as companhias que vão além das exigências legais das empresas de capital aberto e virou uma espécie de referência – apesar de hoje já estar defasado e precisar de uma reforma, segundo apontam os especialistas. “Hoje não se cogita ir para a Bolsa e não se listar no Novo Mercado”, avalia Leonardo Pereira, presidente da Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
Tal nível de transparência só foi alcançado por causa do avanço na regulação do mercado de capitais, orientada pelas instruções normativas da CVM. A Instrução CVM 480, por exemplo, tornou mandatório que todas as empresas de capital aberto, ou que queiram fazer uma oferta inicial de ações, entreguem um formulário de referência à comissão. No documento constam informações precisas e completas sobre a situação econômica da companhia, bem como os riscos de suas atividades e os valores mobiliários que ela emite. A papelada deve ser reeditada anualmente ou sempre que houver alguma alteração que impacte a tomada de decisão dos acionistas.
Conflitos de interesse. A criação do Comitê de Aquisições e Fusões (CAF) também contribuiu para o amadurecimento da governança no País. Lançado em 2012, o CAF nasceu para garantir o cumprimento das condições equitativas em situações em que haja conflitos de interesse, como, por exemplo, numa reorganização societária.
Já a Lei Anticorrupção, em vigor desde 2014, fecha a lista de principais avanços. A nova legislação serviu de estímulo para que mecanismos de controle fossem implementados nas empresas, mas os especialistas são enfáticos ao dizer que os efeitos práticos só aparecerão nos próximos anos.
Duas décadas após o conceito de boas práticas corporativas surgir no Brasil, empresas lutam para mudar cultura e tirar valores do papel
O movimento que impulsionou a governança corporativa no Brasil completa 20 anos este mês e passa por fortes questionamentos. Também nos Estados Unidos, berço do conceito, há discussões sobre como tornar as práticas mais efetivas, já que elas não foram suficientes para evitar graves crises e escândalos corporativos.
“Muitas companhias adotaram a governança apenas como uma ferramenta de marketing para serem mais bem avaliadas no mercado”, diz o professor da USP Alexandre Di Miceli da Silveira. Pesquisador do tema há 15 anos, ele afirma que as empresas ainda enxergam a governança como uma lista de práticas a seguir, mas que o objetivo deveria ser absorver o conceito por trás dela. “A interpretação do tema tem de ser revista”, defende.
Também neste mês, o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) lança a quinta edição de seu código, reconhecendo a necessidade de revisão de recomendações feitas ao mercado. Hoje uma das maiores instituições que tratam do tema na América Latina, o instituto foi o marco inicial desse movimento no País.
“O novo código é muito menos prescritivo do que costumava ser”, diz a presidente do conselho de administração do IBGC, Sandra Guerra. A executiva explica que as diretrizes, de adesão voluntária, agora se baseiam em conceitos amplos e buscam tornar mais simples a aplicação dos princípios.
A ideia de que a boa governança atrairia investimentos e faria as empresas valerem mais ganhou força a partir do “boom” do mercado de capitais brasileiro, em 2007. Transparência, equidade, responsabilidade corporativa e prestação de contas viraram palavras de ordem dentro das empresas de capital aberto, mas a teoria ficou distante da prática. “Ainda precisamos fazer a transição da governança ‘do parecer’ para a governança ‘do ser’”, diz Sandra.
Mercado pequeno. O estágio de desenvolvimento do mercado de capitais no Brasil é um fator de peso nesse quadro. Hoje, são cerca de 500 as companhias brasileiras listadas na BM&FBovespa, em meio a um universo de mais de 16 milhões de empresas ativas registradas pela Receita Federal, a maioria de pequeno e médio portes.
“O mercado de capitais não é reconhecido como entidade representativa em Brasília. É natural para um político não se preocupar com ele”, afirma o presidente da Associação de Investidores no Mercado de Capitais (Amec), Mauro Cunha.
Outro desafio é colocar as normas em prática. Ex-presidente da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), Maria Helena Santana alerta: “É preciso alterar a forma de fazer as regras valerem”. A executiva explica que os recursos às punições aplicadas pela xerife do mercado de capitais demoram a ser julgados e muitas vezes não são apreciados por especialistas, o que atrasa os processos.
Setor público. A falta de exemplo dos agentes públicos, muitos deles envolvidos em corrupção, torna o desafio da governança ainda maior no Brasil. A Operação Lava Jato evidencia essas falhas, mas especialistas ponderam que esse é o momento para mudanças: “É hora de promovermos uma virada na governança das empresas”, defende Sandra.
As investigações na Petrobrás também serviram para jogar luz sobre as estatais. A movimentação resultou, entre outras iniciativas, na criação do Projeto de Lei 555/2015, a chamada Lei das Estatais. O texto aprimora as regras para essas companhias, mas só será discutido no Senado no ano que vem.
A BMF&Bovespa também lançou em setembro um código de governança para empresas de capital misto, mas ainda não houve adesão, pois nenhuma companhia atende aos requisitos. “Adaptar a governança corporativa nessas empresas é um desafio em todo o mundo”, pondera a pesquisadora da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Mariana Pargendler.