Presidente da Toshiba pede demissão após escândalo contábil de US$ 1,2 bi
Jonathan Sobl THE NEW YORK TIMES / TÓQUIO
Reputação. Direção do conglomerado japonês renunciou aos cargos sob a acusação de ter levado a companhia a inflar seus lucros, em uma das maiores fraudes financeiras do país; grupo era considerado ícone de governança corporativa moderna e transparente
Poucas companhias no Japão transmitiram tanta respeitabilidade quanto a Toshiba, o enorme conglomerado industrial que, para surpresa de muitos, encontra-se no centro de um dos maiores escândalos financeiros do país. Por décadas, os diretores executivos da Toshiba foram vistos pela sociedade não apenas como administradores de empresas, mas também como líderes cívicos. O grupo é composto por um pool de empresas que combinam lucratividade com uma governança corporativa moderna e transparente.
Ontem, desafiando essa imagem, o principal executivo e dois dos seus antecessores se demitiram, juntamente com vários executivos de escalões inferiores, sob a acusação de terem levado a companhia a inflar seus lucros operacionais em US$ 1,2 bilhão nos últimos sete anos. O número corresponde a cerca de um terço dos lucros antes do pagamento dos impostos relacionados pela Toshiba durante aquele período. “A Toshiba tem uma história de 140anos e era uma espécie de primeira da classe em matéria de governança corporativa”, disse Shin Ushijima, um advogado que é presidente da Corporate Governance Network, um grupo que monitora o desempenho das grandes empresas. “As ações da Toshiba estão em todos os planos de pensão. A responsabilidade dos executivos é extremamente pesada.”
O escândalo da Toshiba levantou questões sobre os esforços do governo japonês para melhorar a governança e a cultura empresarial. No ano passado, o governo lançou um novo conjunto de diretrizes para administradores e investidores institucionais. Superficialmente, a Toshiba atingiu ou mesmo superou suas previsões, encobrindo problemas como o número de diretores independentes que as companhias deveriam empregar.
“A Toshiba cumpriu as formalidades do código, mas não atendeu à qualidade”, disse Toshiaki Oguchi, especialista em governança que ajudou o governo a criar as diretrizes. Ele observou que dois dos quatro diretores externos da Toshiba– o dobro do número recomendado pelo código – eram ex-diplomatas, com pouca ou nenhuma experiência em supervisão de empresas comerciais. “Não se trata de quantidade”, ele observou.
As dúvidas a respeito dos relatórios financeiros da companhia aumentaram desde abril, quando ela, pressionada por uma investigação das autoridades reguladoras financeiras, informou que estava examinando possíveis incorreções em uma de suas divisões. Uma investigação interna encontrou inicialmente discrepâncias contábeis no valor de dezenas de milhões de dólares e o montante continuou crescendo.
Na segunda-feira, uma comissão de especialistas independentes contratados pela Toshiba afirmou ter encontrado lucros inflados por mais 151 bilhões de ienes (US$ 1,2 bilhão). Apareceram problemas praticamente em todas as partes da empresa, que fabrica produtos que vão de refrigeradores a usinas nucleares. Executivos dos mais altos escalões foram apontados como os responsáveis.
A comissão disse ter descoberto “envolvimento sistemático, inclusive da alta administração, com o objetivo de inflar intencionalmente o lucro líquido”. Os diretores financeiros da Toshiba, afirmou a comissão, “forneceram deliberadamente explicações insuficientes aos auditores, com a intenção de realizar um acobertamento sistemático”.
Numa coletiva à imprensa na sede da Toshiba, da qual participaram centenas de jornalistas e de analistas financeiros, Hisao Tanaka, o atual presidente executivo, inclinou-se profundamente numa demonstração de arrependimento. “Peço desculpas do fundo do meu coração a todos os nossos investidores”, disse. Ele reconheceu que a companhia adotou “métodos contábeis inapropriados”, mas disse que não o fez intencionalmente, e que não disse aos subordinados que exagerassem a lucratividade de suas divisões.
As renúncias correspondem à metade do conselho da Toshiba composto de 16 membros. Com Tanaka, também se demitiu Norio Sasaki, imediatoantecessor de Tanaka no cargo de diretor executivo, atualmente vice-presidente do conselho da Toshiba. O antecessor de Sasaki, Atsutoshi Nishida, deixará seu cargo não executivo de assessor sênior. O presidente do conselho da Toshiba, Masashi Mutomachi, assumirá como presidente e diretor executivo até que seja nomeado outro em setembro.
Mudanças. A Toshiba informou que começa a avaliar a reformulação da companhia a fim de impedir que o problema se repita. Como primeira medida, anunciou que colocará um dos seus diretores independentes, Hiroyuki Itami, ex-diretor do departamento do comércio da Universidade Hitotsubashi, na chefia de sua comissão de auditoria. Os críticos apontaram para o fato de que a comissão foi chefiada por executivos que trabalhavam havia muito tempo na Toshiba, o que poderia ter contribuído para os problemas financeiros.
Oguchi disse que as medidas para melhorar a governança corporativa se concentraram em grande parte no aumento da lucratividade, e não na prevenção de atividades desonestas. Há muito tempo desconfiava-se que as companhias japonesas, principalmente as maiores e tradicionais, como a Toshiba, toleravam lucros baixos em nome da harmonia social, adiando decisões como o fechamento ou a venda de divisões deficitárias.
O código, disse Oguchi, visava em parte a mudar esta tendência, tornando os administradores mais responsáveis perante os investidores. O índice de ações que promovia o suposto vigor da companhia – o JPX Nikkei 400 – foi criado no ano passado, enfatizando o que dizia ser o respaldo mútuo entre a rigorosa supervisão da administração e os elevados retornos para os investidores. / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA (Jornal Estadão – 23/jul/15)